Financiamento da ciência atrasado quase um ano

Elsa Costa e Silva

(Jornal Diário de Notícias, 27 de Novembro de 2006)

    Parte significativa das instituições portuguesas financiadas pela
Fundação para a Ciência e a Tecnologia
tinha recebido, no início de Novembro, apenas 15 a 40% do seu orçamento anual.
Atrasos nos pagamentos que, para as unidades ouvidas pelo DN,
causam "grandes dificuldades"
e que, explicam os seus responsáveis, são recorrentes.
A situação resulta da, até agora,
quase exclusiva dependência do financiamento de fundos comunitários.

A situação pode, contudo, vir a mudar no próximo ano,
já que o Governo vai desviar verbas do Orçamento do Estado
para financiar directamente as instituições.
Uma medida que era há muito esperada pelas instituições que,
se por um lado recebem explicações para os atrasos com base nas burocracias de Bruxelas,
por outro, lembram
a decisão política do Estado
em não assumir o financiamento da ciência,
relegando essa função para a União Europeia
.

Equipamento

" Todos os países já resolveram esse problema criando um fundo de maneio",
explica Gaspar Martinho,
director do Centro de Química Física Molecular, do Instituto Superior Técnico.
Os atrasos criam, explica, "uma situação dramática" que deve afectar a maioria das instituições.
No seu caso, para além de ter apenas recebido 15% para o financiamento-base de 2006,
faltam ainda 5% de 2005.
Para o financiamento de projectos de investigação em 2006, recebeu igualmente apenas 15%.
Esta situação cria "dificuldades enormíssimas em termos de planeamento e,
por exemplo, a aquisição ou substituição de equipamentos está completamente parada".

Adelino Leite Moreira, da Unidade de Investigação e Desenvolvimento Cardiovascular,
da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), explica que os investigadores
"se habituam a lidar com as dificuldades" e que há
"atrasos que geram embaraços nos programas de investimento".
E mais:
" Chegamos à situação caricata de ter de justificar,
no final do ano, porque não gastei o dinheiro que não recebi."


Para além de chefiar uma unidade científica, Adelino Leite Moreira,
que está também à frente do Gabinete de Apoio à Investigação da FMUP,
afirma que há uma "percentagem significativa das verbas por pagar" e explica que
"a situação global é muito similar a todas as unidades".
Mas "temos expectativas em relação a 2007:
há uma nova dinâmica e novos projectos, ainda que não se traduzam em investimento imediato".

Estabilidade

Mas nem só as dívidas preocupam as unidades de investigação portuguesas.
Uma questão que é, por exemplo, essencial para Sobrinho Simões,
presidente do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup)
- um laboratório associado -,
é garantir às instituições estabilidade nas transferências de verbas.
Uma medida que pode ser cumprida com o financiamento das unidades pelo Orçamento do Estado,
como promete João Sentieiro, presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia.

Segundo Sobrinho Simões,
"a questão mais importante nesta altura é o estabelecimento de regras de jogo que tornem
o futuro dos Laboratórios Associados do Centro e Norte do País mais estável".
A referência geográfica é importante,
já que os Laboratórios Associados de Lisboa e Vale do Tejo,
por não poderem receber fundos comunitários
(já que a região ultrapassa a média europeia de PIB per capita),
são financiados directamente pelo Orçamento do Estado.
Os que estão fora deste núcleo central ficam mais dependentes das verbas europeias e,
desta forma, sujeitos a maiores atrasos nas transferências de verbas.

O director do Ipatimup adiantou ao DN ter recebido
a nota de pagamento de 40% do financiamento de base para 2006.
Mas Sobrinho Simões lamenta que
"a situação actual, no que se refere às despesas elegíveis,
seja muito pior do que no passado próximo"
e arrisca-se a ser "inultrapassável".